05 maio 2016

COMUNICADO




O blog ficará fora do ar por período indeterminado. Agradeço a todos que acompanharam até aqui, mas por motivos técnicos foi preciso tirar o Sem Provas do ar, espero que entendam. Forte abraço a tod@s que acompanharam a história da Miriam e do Vincent, serei eternamente grata aos meus queridos leitores. 

Para quem se interessar em continuar acompanhando meus delírios literários, estou com a página Literariedades no facebook. 

Beijos com carinho. 

Mayra Borges

01 outubro 2014

Capítulo 46



                   Como poderia me negar a tudo que estava sentido? Como encontraria forças para dar as costas e ir embora para sempre? Eu sabia que em algum momento seria necessário esquecer de tudo aquilo, mas para esquecer, primeiro, eu precisaria lembrar. Lembrar até que todas as minhas forças se esgotassem. E um momento para ser lembrado é preciso ser vivido intensamente. 
             Sentia-me sem ar enquanto as mãos dele estavam sobre mim. Sentia-me queimar por dentro e algo doía profundamente. Sabia que as reações do meu corpo não se davam somente pelo que estava vivendo ali. Não só pelos beijos dele no meu pescoço, pelo contato da sua pele quente com a minha. Não, todo sentimento ia muito além do sexo e do próprio desejo que alimentávamos. Tinha certeza que, um dia, somente pelo fato de lembrar-me dele, tudo, voltaria a arder e a doer com a mesma intensidade.

            Estávamos completamente envolvidos de uma maneira que nenhum de nós foi capaz de prever. O que sentíamos era muito mais forte que nós mesmos. Nenhuma explicação seria capaz de nos convencer do contrário. Para ser sincera, houve um momento em que algo me surpreendeu, o momento em que: tudo que eu conseguia ver estampado no rosto dele era que, não havia mais ninguém ocupando seus pensamentos. Ele estava onde e com quem realmente queria estar. Não senti esperança, exatamente, mas deixei de me importar porque eu tinha essa pequena tábua de salvação e me agarraria a ela o máximo que me fosse permitido. Afinal, por que eu me importaria com o depois se era o agora que realmente importava, e se era eu quem o tinha nos braços? Naquele momento ele havia me escolhido e nada nem ninguém poderia negar. Já não mais importava se tudo não passava de um grande e desastroso erro.

                    – Eu nunca conseguiria dizer não a você. Vince...

Minha voz saiu num sussurro e as minhas palavras fizeram-no sorrir de uma forma que nunca havia visto antes. Afastou uma mecha de cabelo da minha testa já inundada de suor e beijou-me devagar e carinhosamente.

                   – Como alguém pode ser assim tão doce como você? Sinto que também não posso te dizer não, nunca seria capaz disso. – ao dizer isso, seus olhos dançavam sobre o meu rosto, e já não me pareciam tão impenetráveis.

Um pensamento amargo me ocorreu. Ele já havia dito não para mim no mesmo momento em que disse sim à outra. 

                   –  Por que tem que ser assim? – lamentei por estar diante de quem eu mais queria, e por saber que dentro de algumas horas teria que renunciar a tudo. 

A resposta não veio, também não esperava que ele soubesse. Preferia acreditar que de algum modo seria difícil para ele também, que ficariam marcas, que doeriam, ao menos um pouquinho. 

               – Eu quero você... Eu preciso de você... Por favor... Seja meu... – minha voz novamente saiu num sussurro, entrecortada por suspiros e pelos soluços que eu tentava conter. 

As lágrimas despencavam pelo meu rosto, mas eu não poderia deixar que minha dor fosse maior que o prazer que estava sentindo em tê-lo ali comigo, envolvendo meu corpo naquele abraço e me beijando a face com tamanha doçura. Eu precisava fazê-lo meu e precisava acreditar nisso mais que tudo. 

                  – É isso que você realmente quer?  sua voz estava mansa, mas séria. 
                  – É exatamente tudo que eu mais quero. – respondi sem pestanejar. 
                  – Você sabe, sou incapaz de dizer não para você. 

Eu quis acreditar que aquilo não acabaria nunca mais, que viveríamos aquele momento para sempre. Desejei com todas as minhas forças que a realidade não nos obrigasse a dizer não, mas no íntimo eu tinha plena consciência do quanto isso era impossível. Então simplesmente fechei os olhos e me deixei levar.    

                   – Vince. 
                   – O quê?
                   – Me leva pra sua cama, agora!   

Talvez, em algum lugar do futuro aquilo deixasse de significar tanto, mas ainda assim, sempre seria algo importante e inesquecível. 

              De repente estávamos novamente no quarto, nossas roupas espalhadas pelo chão. O suor grudando nossos corpos, o ar impregnado de desejo. Vince me beijava devagar, explorando minha boca, enquanto suas mãos repousavam em meus seios. Estava completamente entregue aos sentimentos e as sensações. Abri os olhos e pude ver seu rosto, as sobrancelhas tensas e os olhos semicerrados. Desejei-o dentro de mim ainda mais. Minhas mãos procuravam-no e eu pude ver o prazer refletido em seu rosto, deslizando através do seu corpo quando finalmente encontrei o que procurava. De alguma forma nos pertencíamos e havíamos de nos pertencer para sempre. O contrato estava quebrado, havia milhões de provas estampadas em nossos corpos ávidos por mais, mas sem pressa pro fim. Nunca mais seríamos os mesmos. E mesmo que ninguém soubesse, nós saberíamos. As provas estariam em nossas mentes o tempo inteiro, para sempre, mesmo quando fôssemos embora. 

              Queria cobrir seu corpo inteiro com todos os beijos que fosse possível. Queria que seu corpo inteiro ficasse extasiado sob a impressão dos meus lábios de um cor de rosa desbotado. Queria ser parte dele, pertencer a ele. Queria criar algo impossível de ser desfeito. Joguei meu corpo contra o seu, sobre o seu, o que acabou por lhe arrancar um riso frouxo e um gemido rouco. Ele parou, contemplou a imagem que pairava sobre ele. Parecia deliciar-se com o que via. Eu estava exposta, entregue, estava sobre ele e ainda assim isso demonstrava toda a minha fragilidade. Vince sabia que não pretendia dominá-lo porque já estava completamente dominada pelo seu olhar. Ele estendeu uma mão em direção aos meus cabelos que deslizavam desalinhados por sobre meus ombros. Meus braços firmes, apoiados na cama, sustentando meu peso. Minhas coxas envolvendo-o, minhas pernas uma de cada lado das suas próprias pernas. Meu sorriso carregado com o mais sincero deleite e êxtase. Meu rebolado lento, os movimentos quase involuntários do meu quadril. Meu corpo buscando desesperadamente por prazer. Podia senti-lo quente, podia prever o que cada movimento meu provocaria nele e me divertia com isso.

                 – Eu gosto de brincar com você... – sussurrei.
                 – Eu gosto que brinque comigo. – sua voz veio baixa e rouca. 

Ele fechou os olhos, sua face se iluminando de desejo e prazer, sua respiração entrecortada. Meu coração estava acelerado, sentia-me fora de controle. Eu lutava em busca de ar. Meu corpo estremecia a cada movimento dele. Queríamos ir além das provocações mais lentas. Senti quando suas mãos apertaram minha cintura e me guiaram a encontrar o melhor ritmo para nós dois. Éramos um só, nos movendo em sincronia. Nossos suspiros, gemidos e frases ousadas pairavam soltos pelo ar e ecoavam baixo em nossos ouvidos. Eu estava a ponto de gritar, mas sufoquei tal vontade num beijo quente e úmido. Senti novamente o encontro de nossas línguas e algo ferveu ainda mais dentro de mim. As palavras são absurdamente insuficientes para transcrever todo o prazer no qual estávamos submersos. De repente meus braços vacilaram, as forças me faltaram e fui de encontro aquele peito largo que me recebeu alegremente. Senti as descargas elétricas espalharam-se pelo corpo quando meus seios tocaram sua pele, suada e quente. Vinc então puxou-me para baixo e eu pude sentir seu peso sobre mim, seus movimentos se tornaram mais frenéticos e fortes. Ele tinha sede e me tomava inteira a goles cada vez maiores. 

                Tudo aquilo era irreversível, cada sensação ficaria para sempre registrada em meu corpo e em minha mente. Todo o prazer e delírio. Sentia-me fora de órbita, já não pensava em mais nada a não ser no que estava prestes a explodir em mim com toda força. Fomos cada vez mais rápido, respirando com dificuldade, absorvendo cada segundo que nos
 restava. De repente não havia mais nada, estávamos absolutamente conectados, concentrados no prazer que sentíamos e provocávamos. Parecia impossível que o mundo inteiro não fosse contagiado pelo que sentíamos. A Terra estava girando em câmera lenta e tudo que eu mais queria era que parasse para sempre naquele exato momento em que meu corpo se arqueava de prazer, naquele exato momento em que os lábios dele começaram a traçar uma rota de beijos da minha boca até o interior das minhas coxas. Era radioativo. Seus lábios queimavam minha pele, sua língua me provocava arrepios cada vez mais intensos. Ele deleitava-se com meu corpo, com a minha urgência e brincava com a minha sanidade. Ia e voltava, percorrendo minhas pernas e barriga e finalmente encontrou-me e surpreendeu-me com uma onda de prazer inesperada. Ele sorriu quando viu meu corpo se contorcer. Eu estava febril. completamente encharcada de suor e úmida de desejo. Enterrei minhas mãos em seus cabelos, eu estava desesperada para que aquela sensação nunca mais acabasse. Eu daria a eternidade se isso bastasse para que aquele momento nunca acabasse. Por favor, não pare agora, era tudo no que eu conseguia pensar e ele parecia ler meus pensamentos.

                Eu queria morrer e eternizar cada segundo, sem dar tempo para que nada do que viesse depois estragasse aquele prazer tão intenso. Senti um grito agudo formando-se em minha garganta, mas logo fui sufocada por um beijo quente, pela sensação daquela barba arranhando meu rosto. 

             Quis tomá-lo em meus lábios e isso pareceu levá-lo ao delírio. O prazer era tamanho que em certos momentos parecia que algo se romperia dentro de nós numa explosão incontrolável. Não havia vergonha, nem pudor. Éramos duas pessoas completamente entregues. Era minha vez de saciar aquela sede incontrolável, de sentir o sabor, de vê-lo entregue àquele simples capricho. 

                 Miriam... sua voz veio sufocada entre um gemido. 
                 Vinc...
              Eu não aguento mais esperar...  tinha os olhos fechados e de repente seus lábios se contraíram numa tentativa de reprimir um gemido mais alto, havia em seu semblante a urgência de um gozo iminente. 
                 Eu também não - respondi baixinho.

Sentei-me em seu colo e ao senti-lo novamente dentro de mim estremeci como se fosse a primeira vez. Estava inebriada de prazer. Sentia meu corpo movendo-se involuntariamente em espasmos cada vez mais intensos. Vincent sufocava meus gemidos com beijos cada vez mais desesperados. Nossas bocas se desencontravam com a agitação dos nossos movimentos, mas ainda assim se procuravam ininterruptamente. Minhas unhas arranhavam suas costas. Lágrimas brotaram dos meus olhos. Era tudo tão intenso que de súbito tornei-me incapaz de dizer onde estava. Talvez, muito provavelmente, no céu!

             Senti seu corpo se agitar, ouvi-o dizer algo que não fui capaz de entender, pois já não conseguia ouvir mais nada a não ser o sangue pulsando ferozmente em minhas veias e ressoando em meus ouvidos.

                – Vinc... eu vou...  minha voz vacilou e emudeceu.

E antes que eu pudesse terminar o que queria dizer senti-me invadida por uma sensação avassaladora que se sobrepôs a todos os meus sentidos. Meus olhos se fecharam com força, um grito rouco escapou por entre meus lábios e meu corpo inteiro se contraiu e se arqueou incontáveis vezes. Vinc segurou-me com força enquanto eu transbordava de prazer; enquanto o gozo tomava conta de mim por completo. Ele me segurou até que eu me desmanchasse num sorriso lívido e meu corpo se pusesse a tremer levemente, exausto, mas completamente satisfeito. Então eu me vi em seus olhos e mergulhei naquela expressão tão forte. Por alguns segundos poderia jurar que ele também tinha os olhos marejados. Ainda estava em mim, envolvi-o com meus braços e o apertei contra o peito. Era sua vez de mergulhar naquela imensidão incontrolável e avassaladora de prazer. Eu senti explodindo em mim e isso fez com que meu corpo estremecesse novamente, e novamente fui invadida por aquela sensação de descontrole e leveza, de entrega e de prazer absoluto. Como aquilo poderia estar acontecendo? Exaustos nós nos olhamos e sorrimos como dois adolescentes, ainda sem entender ao certo o que havia acontecido. Ele secou uma lágrima do meu rosto e me beijou a boca devagar e com ternura. 

               – Você é absurdamente linda. Isso que você faz comigo é inexplicável. 

De repente eu senti meu coração se partir. Eu estava presa naquele olhar, presa entre aqueles dedos percorrendo minhas costas, suavemente. Havia algo entalado em minha garganta, algo que eu não poderia dizer sem correr o risco de me magoar ainda mais profundamente. 

              Eu nunca havia sido tão feliz e infeliz de uma única vez. O que restaria de mim? Ele não poderia ser o homem da minha vida, por mais que eu quisesse acreditar nessa possibilidade, pois ele já exercia esse cargo na vida de outra pessoa. Vincent me aninhou em seus braços e de olhos fechados afagou meus cabelos úmidos. Eu vi a claridade se infiltrar por trás das cortinas e desviei minha atenção, não queria pensar que nosso tempo estava acabando. Ele continuava com os olhos fechados, uma expressão tranquila no rosto. Eu movimentei meus lábios e disse em silêncio aquelas três palavras que representavam todo o sentimento que me despedaçaria dentro de muito pouco tempo, na esperança de que ele pudesse sentir ao menos um pouco de tudo aquilo.

               –  Vinc. 
               –  Oi. 
             –  Já é de manhã. Não acha melhor eu ir embora? Não quero... –  as palavras saiam com dificuldade, eu tinha medo da resposta. –  criar problemas.
               –  Não, eu preciso que você fique. Ainda é domingo. Ainda temos tempo. 

Eu respirei aliviada, realmente não esperava ouvi-lo dizer que queria que eu ficasse, muito menos que precisava de mim.

               – Vinc?
               – Oi. 
               – Eu... ah, foi incrível.

Ele abriu os olhos e me fitou. Não faço ideia se conseguiu ver como minhas bochechas estavam vermelhas.     

                  – Eu nunca vou esquecer. Foi incrível pra mim também. Não só o que fizemos, mas o que sentimos. Todas as coisas que você me disse...

Ele ficou em silêncio. Fiquei imaginando se talvez houvesse a possibilidade dele estar se sentindo exatamente como eu estava, feliz e infeliz, tentando encontrar alternativas para não ter que dizer adeus. Fiquei imaginando se por acaso ele também estava com aquelas palavras entaladas na garganta, encontrando um jeito menos difícil de sentir tanta coisa. Mas não tinha como saber, e eu nunca perguntaria. Vinc era comedido demais, cauteloso, ele se saíra muito melhor que eu e não podia culpá-lo por ter se imunizado de algum modo.   

            – Obrigada. Eu realmente não sei o que dizer. Confesso que estou confusa, mas não importa. Foi incrível. Eu nunca vou esquecer você, nunca vou esquecer cada segundo do que temos vivido.
              – Não pense no tempo, não se sinta assim. Isso não precisa ser um adeus, você sabe...         

            Ele me puxou contra o peito, me envolveu em seus braços e eu o beijei, deixando minha mente limpa. Algumas pessoas dizem que só é feliz aquele que consegue esquecer. Eu realmente não tinha certeza se conseguiria ser feliz. 

          – Boa noite. Você é fantástica, garota. 
         – Boa noite. Eu vou fingir que acredito em você. Talvez consiga um pouco mais de autoconfiança.  

Ele esboçou um sorriso e voltou a fechar os olhos, sem me soltar dos seus braços. Eu relaxei, sentindo seu cheiro, ouvindo as batidas do seu coração e evitando pensar no que faria com a minha vida depois. Estava completamente perdida.

CONTINUA...


21 agosto 2014

capítulo 45


 Vincent aproximou-se de mim, não consegui identificar nenhum tipo de expressão em seu rosto. Ele pegou a garrafa da minha mão, antes de beber, fitou-me.

            – Eu? – indagou, mansamente.
            – Sim, você. Eu tenho você por todos os lados. Isso é um pouco assustador.

Vincent limitou-se a dar um gole e a permanecer em silêncio. Ele queria que eu falasse, e eu precisava falar, mas na minha mente tudo estava confuso demais. Eu não sabia de quem sentir raiva, eu já nem sabia mais os motivos... Aqueles olhos parados em mim, frios como pedras, impenetráveis.

            – Eu odeio você! – disse, num tom de voz mais baixo do que eu pretendia.
            – Por quê? – ele permanecia calmo, como se nada fosse capaz de atingi-lo.
            – Eu me sinto como uma criminosa, você me faz sentir assim, eu não queria me sentir assim. Eu não queria estar aqui agora, falando esse monte de merda, eu estou entrando em conflito, o que eu sou de verdade não consegue atingir o ponto da pessoa que eu pensei ser, na verdade, estou muito longe de ser tudo o que eu realmente queria. Eu menti pra... – parei de falar, não sabia como conduzir os pensamentos de uma forma que soassem coerentes.
            – Eu sou o culpado?
            – Foi você que provocou tudo isso.
            – Mas você só fez o que queria fazer, todo esse tempo.

Ele estava certo, como sempre.

            – É por isso que eu te odeio, odeio porque você faz o errado parecer certo, odeio porque você me faz sentir culpada de algo que eu nem sei se realmente tenho culpa. Odeio, porque você sempre está certo, firme, inatingível e eu nunca sei o que fazer. Você sempre age com a razão, isso é odiável. 
            – Onde você quer chegar?
            – Você ainda não entendeu?
            – Não.
            – Eu quebrei o nosso contrato.
            – Isso é tão ruim assim?

A calma, a brandura em sua voz me deixaram ainda mais confusa. Eu queria estar furiosa, mas já não conseguia, eu queria ir embora e esquecer de tudo, mas eu já estava completamente presa a ele.

            – Não é? – perguntei vacilante.
            – Não, não é.
            – Eu estou perdida.
            – Por quê?
           – Por que eu não sei como vai ser quando isso aqui não existir mais. Você me parece a única chance que tenho de conseguir ser quem eu realmente quero.
           – Você está errada. Eu não sou nada disso, você pode ser quem você quiser. Você só não percebeu que isso é loucura. Você sabe fingir, pode enganar quem quiser, como quiser, acontece que mais cedo ou mais tarde, o peso da farsa se torna insustentável. Mentir pra si mesmo é loucura.
            – Você sempre soube que eu estava mentindo?
           – Você não estava mentindo, você só estava tentando fazer as coisas de um jeito diferente, você só queria saber do que era capaz, se descobrir.  
            – Eu fracassei.
            – Não, você venceu.
            – Como?
          – Você sucumbiu, deixou seu disfarce de lado, foi maior que qualquer coisa. Você acreditou em si mesma, você está aqui dizendo tudo isso pra mim quando poderia simplesmente ir embora e fingir que não foi nada demais, mas você está aqui. Muitos esconderiam seus medos, mas você não. Você está aqui sendo sincera. Você tem coragem, Miriam.
            – Seria mais fácil fingir que nada disso me machuca. Acho que as coisas ficariam melhor assim.
            – Eu te machuquei tanto assim? Você realmente me odeia?

O tempo todo estive andando com um punhal bem afiado apontado pro meu peito, deveria saber que a qualquer momento ele me acertaria em cheio. Eu sabia, só fingi não saber, só não quis acreditar e agora eu estava sangrando e não podia culpar mais ninguém por isso. Vincent não poderia ser culpado sozinho por tudo que eu estava sentindo.

            – Talvez e não.
            – Como assim?
           – Você me fez sentir tanta coisa. Você me fez sair pro mundo, sem sentir vergonha de dizer o que eu quero, o que eu sinto. Sem sentir vergonha do meu corpo, dos meus desejos. Você foi meu amigo, mas agora eu já não posso mais continuar com isso. É pesado demais. Não tenho forças pra ficar longe de você, não quero ficar me iludindo, alimentando vontades que não podem ser realizadas. Eu não posso ser sua, porque você não pode ser meu. Isso me machuca. Eu sinto que as coisas poderiam ter sido mais fáceis, acho que estraguei tudo.
          – Eu não sei o que dizer. Eu realmente sinto muito por isso, por não ter percebido, recuado. Eu nunca quis magoar você. Pensei que as coisas estivessem claras por todo esse tempo.
            – Não posso dizer que você é o culpado, eu assumo a responsabilidade pelos meus sentimentos. Sei que você nunca me escondeu a verdade, nunca me deu esse tipo de esperanças, sempre foi honesto comigo.
           
Vincent estava sério, entreabriu os lábios, mas desistiu do que ia dizer, melhor assim, pensei.

            – Eu me apaixonei sozinha, eu estraguei tudo.
            – Não, pelo contrário. Eu te admiro ainda mais. Não sei qual a imagem que você tem de mim, não sei o que você sente ou pensa, exatamente, mas espero que saiba que eu sempre me importei com os seus sentimentos, mas talvez não tenha feito isso da melhor forma.
            – Não, acho que eu procurei por isso. Era algo que eu realmente queria...
            – O que vai acontecer agora?

Fui invadida por um sentimento novo que me tomou acima de toda confusão. Senti-me segura afinal. Lembrei-me de algumas palavras, ditas há certo tempo, entendi que eu deveria segui-las, era o que eu realmente queria, era uma promessa que teria mesmo que cumprir, não havia alternativas. Vincent olhava pra mim a espera do que eu tinha a dizer, tomou um último gole do vinho. Uma gota escorregou, atrevida pelo canto de sua boca e eu senti meu corpo arder, aquilo estava muito além do meu controle.

– É por você que estou aqui, porque meu corpo quer você, porque tem que ser assim. Estou aqui porque eu te quero, quero você na minha cama, por uma noite, por um momento ou por quantos vierem. Eu não quero saber como vão ficar as coisas, eu não quero saber se haverá amanhã, isso não é importante. Eu só quero você, quero que você me segure e que me beije, quero que me leve pra cama, quero senti-lo de novo, quero ser sua outra vez. Não posso desperdiçar nosso tempo.
– Miriam, eu não quero mais magoar você.
– Então, faça o que eu estou pedindo.
– Eu te quero tanto... – Ele sussurrou ao pé do meu ouvido.
– Eu também te quero. Seja meu, pelo menos por algumas horas... – meu coração doía de tanto bater.
– Sou seu...

Então eu o abracei com força, beijei seus olhos, sua face e seu pescoço. Vincent retribuiu o abraço com ternura e desejo. 


CONTINUA...


20 julho 2014

Capítulo 44




            “– Lembro de ter visto em algum lugar que você tem namorada.
             – Sim, eu tenho.”

            O fragmento dessa conversa pairou em minha mente, assustadoramente legível. Lembro de não ter me incomodado com isso a princípio, estava numa fase em que nada me importava, estava entediada e com raiva, mergulhada num relacionamento desgastante e tudo que eu queria era me divertir. Vincent apareceu e as coisas entre nós foram acontecendo e eu deixei que fluíssem. Depois que o meu relacionamento acabou eu entrei ainda mais nessa história toda, Vincent não comentava muito sobre sua namorada, apesar de termos conversado bastante sobre relacionamentos, ele não me falou muito da sua vida pessoal, nunca insisti muito no assunto, porque como eu disse, não estava nem ai pra isso. No decorrer dos acontecimentos eu simplesmente esqueci-me dela, sua existência tornou-se algo irrelevante, ela sempre pareceu alguém bastante distante de tudo aquilo, no começo pensava nela como um fantasma, depois simplesmente passei a ignorar completamente a sua existência, não era problema meu. É egoísta, eu sei, é hipócrita, claro que é, mas ainda assim não era problema meu.  

            Vincent e eu a princípio éramos somente amigos, mas então algo aconteceu e surgiu algo mais que a amizade. Atração, desejo, paixão, eu nunca soube dizer, nunca quis parar para pensar no que realmente era, Nunca quis rotular, apenas deixei as coisas acontecerem. Éramos somente dois adultos querendo um pouco de diversão, fugir da rotina, também não sei o que era, mas era e que mal poderia haver nisso? Nenhum, exceto pelo fato de um dos dois se apaixonar, mas eu ignorei isso, afinal, pensei que nunca chegaria ao ponto de me apaixonar por um cara como ele. Sempre senti que havia algo absurdamente errado e diferente entre nós... Éramos como imãs com polaridades iguais, talvez sob certo esforço até ficaríamos juntos, mas logo teríamos que nos afastar por motivos naturalmente maiores que nossas próprias vontades. O sexo poderia nos unir, a amizade, talvez, mas nunca mais que isso, nada que pudesse durar mais que algumas horas. Pensei que estivesse imune, mas olhe só pra mim? É impossível controlar nossos sentimentos, é uma lição básica, mas eu simplesmente não dei à mínima. 

            Meus olhos continuaram fixos à fotografia enquanto meus pensamentos zuniam dentro da cabeça.  Sentia uma raiva incontrolada correr em minhas veias, meu coração disparou novamente, bateu violentamente dentro do peito. A garota da foto sorria pra mim, com seus dentes perfeitos, com sua perfeição insuportável. Senti meu estomago embrulhar.

            - Que merda é essa? – sussurrei pra mim mesma, e minha voz era irreconhecível. – Eu fiz tudo errado.

Na fotografia Vincent também sorria, mas havia algo de diferente. Notei seu olhar, que para mim sempre fora obscuro e evasivo, mas que na foto mostrava-se claro e até óbvio demais. Seu sorriso estampado naquele pedaço de papel era completamente novo pra mim. Era mais sincero e mais espontâneo e tudo porque ela estava ao lado dele, com os braços em torno do seu pescoço, fitando-o com olhos de um azul vivo, emoldurados por cílios compridos e espessos, contornados suavemente por sobrancelhas bem feitas e naturais. Os lábios delicados curvando-se num sorriso cor de rosa, deixando a mostra seus dentes brancos. Os cabelos finos e dourados recaindo por cima dos ombros em ondas tranquilas, como ouro liquido... Não havia um só traço dissonante, os olhos, a pele, o sorriso e a alegria estampada em seu semblante. Vincent segurava-a pela cintura, suave, mas ao mesmo tempo firme e acolhedor também. Apesar de ser estúpido, apesar de tudo, apesar de tantos atos inexplicáveis, eu entendi que era ela, que nunca seria outra. O que eu estava fazendo ali naquele apartamento afinal? Por que Vincent estava fazendo isso? Por que eu? Eu tinha os meus motivos, mas e ele? Por quê? Senti-me tonta.

            Coloquei a foto dentro do livro, tentei respirar fundo. Fui até a cozinha, precisava beber alguma coisa, não era sensato, mas dane-se! Não era para ser sensata. Senti o ódio arder em mim violentamente. Abri a geladeira e tudo que encontrei foi uma garrafa de vinho cheia pela metade, sequer me dei ao trabalho de procurar um copo, tomei de uma vez, senti o calor reconfortante no peito e desabei, lágrimas pesadas escorreram pelo meu rosto sem que eu tivesse qualquer domínio sobre elas. Foi então que Vinc apareceu na porta e me fitou com olhos de sono, fiquei em silêncio apenas esperando que ele dissesse algo:

             – O que você tem? 
              Você! 

CONTINUA...


             

21 junho 2014

Capítulo 43



            Abri os olhos em meio à escuridão, por alguns segundos senti-me completamente deslocada sem saber onde estava e para que lado ficava a saída, após alguns segundos eu finalmente consegui me situar naquele quarto estranhamente familiar. Senti como se tudo estivesse em suspensão, pairando infinitamente no ar, como num sonho, os sons estavam distantes e abafados, sentei-me na cama e fiquei ali, parada no escuro enquanto meu mundo inteiro tentava encontrar um eixo para poder recomeçar a girar. Imóvel, com os olhos fixos na escuridão deixei que os sentimentos me invadissem, e fui embora na enxurrada que me arremessava para mais perto do que eu ainda não conseguia entender. Só conseguia pensar que depois de ter me perdido era preciso me encontrar, mas como?

            Vincent dormia tranquilamente ao meu lado, podia ouvir o som brando da sua respiração, sentir o calor do seu corpo e o seu cheiro almiscarado, único, delicioso. Aproximei meu rosto do dele, beijei sutilmente sua face e deixei que meus dedos afagassem de mansinho os seus cabelos e acompanhassem o contorno do seu corpo. Velei seu sono por alguns minutos e fiquei a imaginar como seria se eu pudesse ficar ali para sempre, as imagens que se formavam em minha mente eram agradáveis e calmas e foi então que algo em meio a toda a ilusão me despertou como uma pontada de dor aguda na boca do estomago, instantaneamente minhas mãos ficaram geladas e tal inquietação me fez querer sair dali correndo. Meu coração começou a bater forte, fora do ritmo e as tentativas de ficar calma só conseguiam me deixar ainda mais nervosa.

            Levantei, procurando não fazer barulho, tateando no escuro consegui encontrar minhas roupas, fui até a sala e comecei a me vestir, desengonçada. Senti-me vazia, olhei para todos os lados como se pudesse imaginar que parte do que eu perdera estava ali, escondido em meio a uma história que não me dizia respeito. Respirei fundo e tentei pensar no que havia acontecido há pouco, por um momento quis acreditar que tudo o que havia sentido há algumas horas era o bastante, que tê-lo somente por alguns instantes era suficiente, que somente o sexo importava, que dentro de mais algumas horas eu estaria voltando para minha vida, feliz e satisfeita com o que havia obtido, mas na real, o que eu havia obtido? Nada. “Péssima hora para começar a me sentir assim” pensei com raiva, eu não queria me sentir culpada por nada. O tempo todo eu havia dito que aceitaria as consequências, mas na verdade eu nunca havia sequer pensando no resultado das minhas escolhas e agora eu sentia um buraco enorme se instalar no meu peito e simplesmente não sabia o que fazer pra fazê-lo parar de doer.

            Acreditei demais em capacidades que eu tinha inventado pra mim, pensei que seria fácil, pensei que poderia simplesmente apertar um botão e colocar todos os meus sentimentos em off, mas não existe esse botão. Acreditei que tinha controle sobre o que eu sentia e sobre o que eu fazia, mas essa foi a minha maior ilusão. Me enganei até o limite, e naquele momento tudo que eu poderia fazer era pagar o preço por cada escolha e por cada mentira que eu contara a mim mesma.
           
            Senti-me emocionalmente exausta, daria tudo para voltar pra cama e simplesmente aproveitar cada segundo daquela noite ao lado dele, mas isso eu não consegui fazer. Fiquei sentada no sofá perdida nos meus pensamentos confusos, com um nó na garganta e um aperto no peito, tentando encontrar maneiras de continuar com o meu disfarce até que fosse seguro desabar.  Comecei então a prestar atenção à mobília, à desordem organizada dos objetos, quadros nas paredes, revistas, levantei-me e caminhei até a estante e deixei que meus dedos passeassem pela lombada dos livros. Vasculhei o rastro de lembranças de coisas que eu não havia vivido, eu realmente não poderia fazer parte daquele lugar. O tempo se encarregaria de apagar as minhas digitais. 

            Peguei um dos livros soltos e folheei, acabei derrubando algo sem querer, peguei no chão, era uma fotografia, meus olhos imediatamente prenderam-se àquela imagem estampada ali e senti o buraco em meu peito ficar ainda maior. Se até aquele momento havia algo em mim que continuava imerso, com àquela imagem não dava mais, eu simplesmente tinha que pisar de corpo em alma em terra firme. O que vi ali não era novidade, mas me bateu em cheio e com força. Não importa quanto tempo nós permaneçamos em sono profundo, mergulhados em pesadelos sombrios ou em sonhos deslumbrantes, mais cedo ou mais tarde a gente tem que acordar. Ali, encarando aquela fotografia, confrontando as imagens de horas atrás com o presente, eu entendi, havia chagado a minha hora de acordar. A realidade estava de braços abertos, esperando para me esmagar com seu peso insuportável. 



CONTINUA...


03 maio 2014

Capítulo 42



          
            E eu era, pelo menos naquele instante, eu era irremediavelmente dele.

        Fechei os olhos num último gesto de entrega, as sensações me invadiam como ondas de um mar revolto, e eu? Afogava-me sem resistência, integrando-me aos turbilhões de água salgada, sentindo meus pulmões queimarem sem ar e meu corpo naufragar naquele imenso prazer de se dar.

            Vinc segurou minhas mãos com a dosagem perfeita de força e leveza, nesse momento já não éramos sem o outro, e eu participei dessa comunhão rara e extraordinária que poucos compreendem, contradizendo leis físicas, transcendíamos, dois corpos e duas almas ocupando um só lugar no especo e no tempo.

            O gozo veio em seguida agitando-me até os fios de cabelo, tingindo minhas faces de vermelho, senti o sangue subir à cabeça, fechei os olhos e emudeci ao som de sussurros e gemidos incontroláveis. As lágrimas saltaram dos meus olhos no mesmo instante em que meus lábios rasgaram-se num sorriso violento, insano, ao mesmo tempo frágil em sua timidez. Minha pele era arrepio, meu corpo terremoto, pele, suor e saliva, nossas bocas desencontraram-se de um beijo quando o deleite nos tomou violentamente, nos estreitamos ainda mais, ficamos cegos, entramos em êxtase, querendo prolongar as sensações tão efêmeras, querendo parar o tempo, mas acontece que era o gozo que nos trazia a tona, que nos dissociava assim, era aquele o ápice do prazer e o começo do nosso fim. 

          Nossos corpos desmoronaram no colchão, ainda trêmulos, exaustos, olhos embaçados, sorrisos tortos, pensamentos embotados. Naquele momento qualquer coisa em mim doía assustadoramente, e tudo era falta, fechei os olhos pois tive medo de abri-los e me encontrar sozinha nos meus velhos lençóis, de repente era como se um buraco tivesse sido aberto em meu peito, mas ainda era cedo demais, pensei. Senti as mãos de Vinc percorrendo meu corpo num carinho sem destino, manso e sereno, raro. Virei meu corpo e deixei que meus olhos passeassem pela cena, os pelos, o suor, o desalinho dos lençóis, o cheiro suspenso, as pontas dos dedos, os ombros largos, o desalinho dos cabelos, os músculos relaxados, os cílios espessos e os olhos miúdos janelas intransponíveis. Acariciei seus cabelos, nenhuma palavra carecia ser dita, tacitamente nos dávamos àquele silêncio, porque ele era a nossa resposta, o nosso para sempre se estendia naquele silêncio que nos engolia devagar madrugada a fora. Nosso destino.

            Ainda quis alcançá-lo, mas não soube como. Meus lábios roçaram os seus num beijo morno e cansado. Eu estava feliz, mas a cada segundo ficava mais difícil engolir as lágrimas. Havia me jogado e feito minha escolha, havia salvação pra isso? O que acontece quando a gente chega ao fundo do abismo?
           
            Vinc me olhava, e eu gostava daqueles olhos caídos sonolentos sobre mim, gostava de imaginar que era a minha imagem que estaria fixa, embotada e indefinida nos seus olhos antes dos sonhos e quem sabe durante eles. Gostava daquela cumplicidade entre nós, isso me fazia pensar que qualquer coisa nele doía também, uma dor poética, mas nem por isso menos real.

            - Eu não quero dormir. – disse baixinho, com a voz ainda rouca, cansada.
            - Já eu, não quero acordar. – Respondi com um meio sorriso nos lábios.

Vinc afagou meus cabelos e me puxou para si com carinho, aninhei-me em seu peito e a saudade amargou em minha boca, quando o sol nascesse não haveria lugar pra mais um ninho ali, não haveria espaço pra nós dois. Fechei os olhos e rendi-me ao calor daquele corpo que me aconchegava, afastei a mente de qualquer coisa perigosa. Queria tatuar-me em seu corpo, mas em sua pele completamente marcada já não havia mais espaço para mim. Sem provas...


Adormeci. 


CONTINUA...



22 abril 2014

Capítulo 41


Paramos devagar, ele desvencilhou-se do meu abraço e dos meus lábios, mas seus olhos derramaram-se sobre mim banhando-me nas águas escuras e cheias de mistérios do seu olhar. Eu arquejava a procura de ar, porém quanto mais tentava mais meu coração ameaçava arrebentar-se em meu peito estreito. O olhar de Vinc penetrava em mim certeiro, ele contemplava meu corpo e lia minha alma. Paralisei diante dele, mas sem timidez, aquele olhar me transbordava ainda mais, trazia à minha boca o agridoce de um desejo sem precedentes, acariciava minha pele e a queimava, puxava-me do fundo, revelando e tornando nítida a imagem da mulher que eu enxergava somente através do reflexo embotado das minhas dúvidas. E finalmente, numa sensação indescritível e única eu vi minha alma refletida naqueles olhos de um tom castanho quase negro. Reconheci-me então naquele clichê tão bobo e belo: borboleta inteira, recém saída do casulo, assumindo sua real identidade e pronta para aventura-se pelo mundo, ansiando ardorosamente a agitação do vento sob suas asas ainda virgens de liberdade.

**  

“Assisti sua metamorfose silenciosa e ofegante entre meus lábios, entre meus abraços, moldando-se no suor de nós dois. Era preciso tornar àquela imagem eterna, mas as palavras eram insuficientes diante daqueles cabelos desgrenhados e negros que quase lhe tocavam a cintura, seus lábios desejosos entreabertos e úmidos, seu olhar tão expressivo, quente e translúcido. Seu desejo tão inflamável à flor da pele, sua nudez pura e devassa, a junção daquelas tantas mulheres únicas que habitavam os recônditos de sua alma e que ela mesma desconhecia, mas que se sobrepunham em unidade frente à sua imagem e encantavam meus olhos com deslumbrante beleza, eu não a entendia e nunca poderia entendê-la tamanha era a densidade de seus sentimentos e a rapidez com que vinham à tona e voltavam a mergulhar nas profundezas do seu íntimo, mas eu a sentia, finalmente a sentia, e diante do sentir qualquer saber torna-se insuficiente, tolice apenas.” – Vincent

**

            Prostrava-me gloriosa, nua de corpo e alma, diante daquele homem, meus sentimentos estendiam-se diante de nós dois formando pontes que nos juntavam. E tudo isso que agora descrevo com intensa minúcia, sucedeu-se em poucos, mas infinitos, segundos.

            Dei somente um passo e novamente me inclinei sobre ele que me acolheu com força e doçura, desejo e cuidado. Nos beijamos novamente, incontáveis vezes, estávamos ávidos, mas não havia pressa. Por fim cedemos aos apelos da cama que insistia em presenciar e ser parte do nosso desejo. Vinc estendeu seu corpo sobre o meu.

            - Eu sempre sonhei com isso. – sussurrei.

Vinc acariciou meu rosto com os nós dos dedos, beijou-me a fronte, os lábios o queixo, o pescoço os ombros. Suas mãos percorriam meu corpo, mãos fortes, ásperas, mas suaves, perdiam-se no vão entre as minhas pernas, Vinc deleitava-se com meu prazer, com o tremular do meu corpo, com os meus sussurros incompreensíveis e nos meus gemidos tímidos. Sua língua encontrou meus seios, provocou-me arrepios, delírios. Tive novamente a sensação de que meu peito arrebentaria, mas agüentei firme enquanto meu corpo afogava-se num prazer inédito e embriagante.
           
            Por muito tempo atravessei noites inteiras ardendo em sonhos e desejos inexplicáveis, com sede e ânsia, agora bebia aquela água preciosa, no entanto quanto mais bebia mais minha sede aumentava, insaciável e infinita. Ali naquele quarto tudo era infinitamente maior e melhor do que tudo que eu havia imaginado algum dia.

             Sorvia cada segundo quase em desespero, aquele momento muito provavelmente era tudo que eu teria, era tudo, mas não era suficiente. Uma noite é ínfima para quem deseja uma vida inteira. Perdida em meio às inúmeras sensações, eu o detia com força entre meus braços, enlaçava-o com minhas pernas, movimentava-me em sincronia com seus movimentos, queria que fosse eterno, permanente, queria tatuá-lo em minha pele ou então tatuar-me nele. Já havia perdido a conta de quantas vezes havia beijado-o por inteiro e quantas vezes ele fizera o mesmo. Eu fingir não perceber o deslizar contínuo do tempo.

            Vinc brincava comigo, fazendo-me esperar, numa doce tortura, beijava meus quadris, a parte interna das minhas coxas, podia sentir a aspereza da sua barba em minha pele, arrepiava-me, sentia seus dentes roçando de leve meu quadril, seus lábios úmidos e por fim sua língua deslizando em mim, e quando agitava-me com a espera minhas mãos quase que por vontade própria insistiam em segurar sua cabeça, sussurrava entre gemidos.

            - Não pare agora.

Mas era inútil, Vinc tomava minhas mãos e as beijava, fitava-me cinicamente e negava com um gesto lento de cabeça. Então puxei-o para mim com força, coloquei meu corpo sobre o seu e meus cabelos encobriram seu rosto, movimentei levemente o quadril fazendo-o soltar um breve gemido de satisfação. Eu já não aguentava esperar um só segundo que fosse. Aproximei meus lábios do seu ouvido e disse com um tom propositalmente autoritário:

            - Eu quero agora.
            - Como negar isso a você?

Ele permaneceu me olhando nos olhos e eu pude ver novamente o quanto ele me queria. Senti-o usar o peso do seu corpo contra o meu, ele rendia-me com uma facilidade deliciosa... Nossas peles misturavam-se, meus cabelos enrolaram-se em seu peito, nossas pernas entrelaçaram-se, sentia-me como metal sendo aquecido e reforjado, meu corpo moldava-se ao dele de forma a não deixar espaços vazios, dançávamos numa harmonia de gestos que se completavam e prosseguiam, reinventávamos o tempo e a poesia, havia ali uma nova estação, sextos e sétimos sentidos, primeiras, terceiras e tantas intenções, dali em diante nada seria igual, mas recusei-me a pensar no amanhã.

            Tudo que tínhamos era o agora. O passado era silêncio e o amanhã havia de raiar muito além do alcance das nossas vistas cansadas, amanhã poderia ser vida ou morte, desilusão ou esperança, não cabia saber, não nos cabia ter pressa.  

            - Eu quero ser sua. – sussurrei impaciente.

            - Você já é minha. 


CONTINUA...